Citações Não-ficcionais sobre a Vida

De Compendium Tolkien
  • Levantamento feito com a curadoria de Projeto Tolkien (atualizado por último em 13/06/2024).

Este é um levantamento das melhores citações de J.R.R. Tolkien sobre a vida, retiradas exclusivamente de suas obras não-ficcionais.

Caso seja de seu interesse, temos no total quatro compilados de citações aqui no Compendium:

Salvo menção em sentido contrário, todos os trechos abaixo citados foram retirados das edições da HarperCollins Brasil.

Os trechos encontram-se em ordem cronológica de publicação. Confira uma lista de todos os livros aqui: Publicações de J.R.R. Tolkien.

Árvore e Folha (1964)

Feéria contém muitas coisas além de elfos e fadas e além de anões, bruxas, trols, gigantes ou dragões. Ela abriga os mares, o sol, a lua, o céu, a terra e todas as coisas que estão nela: árvores e pássaros, água e pedra, vinho e pão e nós mesmos, homens mortais, quando estamos encantados.
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

A Fantasia é uma atividade natural humana. Ela certamente não destrói ou mesmo insulta a Razão; e não torna menos aguçado o apetite pela verdade científica, nem obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara a razão, melhor fantasia fará.
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

A Fantasia pode, é claro, ser levada ao excesso. [...] Pode ser posta a serviço de fins maus. [...] Mas de que coisa humana neste mundo caído isso não é verdade? Os homens conceberam não apenas elfos, mas imaginaram deuses e os adoraram, adoraram mesmo aqueles mais deformados pelo próprio mal de seus autores. Mas eles fizeram falsos deuses com outros materiais: suas nações, suas bandeiras, seus dinheiros; até suas ciências e suas teorias sociais e econômicas já exigiram sacrifício humano.
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

[...] “ver as coisas como nós somos (ou fomos) destinados a vê-las” — como coisas separadas de nós mesmos. Precisamos, em todo o caso, limpar nossas janelas; de forma que as coisas vistas claramente possam ser libertadas do fosco borrão da banalidade ou da familiaridade — da possessividade.
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

Por que dever-se-ia escarnecer de um homem se, achando-se na prisão, ele tenta sair e ir para casa? Ou se, quando ele não pode fazê-lo, pensa e fala de outros temas que não carcereiros e paredes de prisão? O mundo lá fora não se tornou menos real porque o prisioneiro não consegue vê-lo.
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

[...] um aviso de que não é possível preservar, por muito tempo, um oásis de sanidade num deserto de desrazão com meras cercas, sem verdadeira ação ofensiva (prática e intelectual).
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

[...] ela é uma graça repentina e miraculosa: nunca se pode contar que ela se repita. Ela não nega a existência da discatástrofe, da tristeza e do fracasso: a possibilidade dessas coisas é necessária para a alegria da libertação; ela nega (diante de muitas evidências, se você quiser) a derrota final universal e, nesse ponto, é evangelium, dando um vislumbre fugidio da Alegria, a Alegria além das muralhas do mundo, pungente como a tristeza.
Árvore e Folha (Sobre Estórias de Fadas)

“A vontade será mais severa, o coração mais ousado, o espírito maior, conforme nossa força diminui.”
Árvore e Folha (O Regresso de Beorhtnoth, Filho de Beorhthelm)

As Cartas de J.R.R. Tolkien (1981)

Dizem que o primeiro passo é o mais difícil. Não o considero difícil. Tenho certeza de que eu poderia escrever infinitos “primeiros capítulos”. Escrevi muitos, na verdade.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 23)

[A Allen & Unwin negociara a publicação de uma tradução alemã de O Hobbit com a Rütten & Loening de Potsdam. Essa firma escreveu a Tolkien perguntando se ele era de origem “arisch” (ariana).]

Devo dizer que a carta em anexo da Rütten e Loening é um tanto rígida. Sofro essa impertinência por possuir um nome alemão ou as leis lunáticas deles exigem um certificado de origem “arisch” de todas as pessoas de todos os países?

Pessoalmente, eu estaria inclinado a recusar o fornecimento de qualquer Bestätigung1 (embora por acaso eu possa fazê-lo) e deixar que uma tradução alemã fosse suspensa. Seja como for, devo opor-me fortemente à aparição impressa de qualquer declaração semelhante. Não considero a (provável) ausência total de sangue judeu como necessariamente meritória; tenho muitos amigos judeus, e lamentaria asseverar a noção de que aprovo a totalmente perniciosa e não científica doutrina racial.

1Alemão, “confirmação”.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 29)

Não sou de origem ariana: tal palavra implica indo-iraniana; que eu saiba, nenhum dos meus antepassados falava hindustani, persa, romani ou qualquer dialeto relacionado. Mas se devo deduzir que os senhores estão me perguntando se eu sou de origem judaica, só posso responder que lamento o fato de que aparentemente não possuo antepassados deste povo talentoso. Meu trisavô chegou na Inglaterra no século XVIII vindo da Alemanha: a maior parte da minha ascendência, portanto, é puramente inglesa, e sou um cidadão inglês — o que deveria ser suficiente. Fui acostumado, no entanto, a estimar meu nome alemão com orgulho, e continuei a fazê-lo no decorrer do período da lamentável última guerra, na qual servi no exército inglês. Não posso, entretanto, abster-me de comentar que, se indagações impertinentes e irrelevantes desse tipo se tornarem a regra em matéria de literatura, então não está longe o momento em que um nome alemão não mais será um motivo de orgulho.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 30)

A qualquer minuto, é o que somos e o que estamos fazendo que conta, e não o que planejamos ser ou fazer.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 40)

Quase todos os casamentos, mesmo os felizes, são erros: no sentido de que quase certamente (em um mundo mais perfeito, ou mesmo com um pouco mais de cuidado neste mundo muito imperfeito) ambos os parceiros poderiam ter encontrado companheiros mais adequados. Mas a “verdadeira alma gêmea” é aquela com a qual você realmente está casado. [...] apenas a mais rara das sortes junta o homem e a mulher que, de certo modo, são realmente “destinados” um ao outro e capazes de um enorme e esplêndido amor. A ideia ainda nos fascina, agarra-nos pelo pescoço: um grande número de poemas e histórias foi escrito sobre o tema, provavelmente mais do que o total de tais amores na vida real [...].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 43)

Você tem de compreender o bem nas coisas para detectar o verdadeiro mal.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 45)

Minhas opiniões políticas tendem cada vez mais para a anarquia (filosoficamente compreendida como significando a abolição do controle, não homens barbados com bombas) — ou para a monarquia “inconstitucional”. Eu prenderia qualquer um que use a palavra Estado (em qualquer outro sentido que não o do reino inanimado da Inglaterra e seus habitantes, uma coisa que não tem poder, direitos, nem uma mente);
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 52)

[...] o trabalho mais impróprio a qualquer homem, mesmo os santos (os quais, de qualquer maneira, ao menos relutavam em realizá-lo), é mandar em outros homens. Nem mesmo um homem em um milhão é adequado para tal, e menos ainda aqueles que buscam a oportunidade.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 52)

Mas o horror particular do mundo atual é que toda a maldita coisa está num mesmo saco. Não há para onde fugir. [...] Há apenas um único ponto brilhante, e esse é o crescente hábito de homens descontentes de dinamitar fábricas e estações de energia; espero que isso, agora encorajado como “patriotismo”, possa permanecer um hábito! Mas não causará bem algum se não for universal.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 52)

Nascemos em uma era sombria fora do tempo devido (para nós). Porém, há este consolo: de outro modo não conheceríamos, nem amaríamos tanto, o que amamos. Imagino que o peixe fora d’água é o único peixe a ter uma noção do que é água.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 52)

Como tudo é estúpido! e a guerra multiplica a estupidez por 3 e sua potência por si mesma: assim, os dias preciosos de uma pessoa são regidos por (3x)2, onde x = crassidão humana normal (e isso é ruim o suficiente). Contudo, espero que em dias vindouros a experiência de homens e coisas, ainda que dolorosa, mostre-se proveitosa.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 61)

O absoluto desgaste estúpido da guerra, não apenas material, mas moral e espiritual, é tremendo para aqueles que têm de suportá-lo. E sempre foi (apesar dos poetas) e sempre será (apesar dos propagandistas) — não que, é claro, não tenha sido, seja e será necessário enfrentá-lo em um mundo maligno. Mas tão curta é a memória humana e tão evanescentes são suas gerações que em cerca de apenas 30 anos haverá poucas ou nenhuma pessoa com aquela experiência direta que é a única a tocar de fato o coração. A mão queimada é a que mais ensina a respeito do fogo.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 64)

[...] o mal trabalha com um vasto poder e sucesso perpétuo — em vão, apenas preparando sempre o terreno para que o bem inesperado brote. Assim o é em geral e assim o é em nossas próprias vidas.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 64)

Seja como for, os humanos são o que são, inevitavelmente, e a única cura (fora a Conversão universal) é não ter guerras — nem planejamento, nem organização, nem regimento.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 66)

Pois estamos tentando conquistar Sauron com o Anel. E seremos bem-sucedidos (ao que parece). Contudo, a punição, como você sabe, é criar novos Saurons e lentamente transformar Homens e Elfos em Orques. Não que na vida real as coisas sejam tão claras como em uma história, e começamos com muitos Orques no nosso lado.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 66)

Você está dentro de uma história muito grande! Também acho que você está sofrendo de “escrita” suprimida. [...] Possivelmente o inibiu. Creio que se pudesse começar a escrever e encontrar seu próprio modo, ou mesmo (para começar) imitar o meu, você acharia isso um grande conforto. Sinto entre todas as suas dores (algumas simplesmente físicas) o desejo de expressar seu sentimento sobre o bem, o mal, o belo e o feio de algum modo: de racionalizá-lo e impedi-lo de simplesmente supurar. No meu caso, ele gerou Morgoth e a História dos Gnomos. Muitas das partes antigas dela (e dos idiomas) — descartadas ou absorvidas — foram criadas em cantinas enfarruscadas, em preleções em frios nevoeiros, em barracas cheias de blasfêmia e obscenidade ou à luz de vela em tendas de alarme, algumas até mesmo em abrigos de trincheira debaixo de balas.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 66)

Um pequeno conhecimento de história deprime a pessoa com a sensação da massa e do peso eternos da iniquidade humana: antiquíssima, lúgubre, sem fim, repetitiva depravação incurável e imutável. Todas as cidades, todas as vilas, todas as habitações dos homens — antros! E ao mesmo tempo sabe-se que sempre há o bem: muito mais oculto, muito menos claramente discernido, raramente aparecendo em reconhecíveis belezas visíveis de palavras, feitos ou rostos [...].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 69)

Sim, penso nos orques como uma criação tão real quanto qualquer coisa na ficção “realista”: suas palavras vigorosas descrevem bem a tribo; a diferença é que na vida real eles estão em ambos os lados, é claro.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 71)

E, quando estiver tudo terminado, terá restado às pessoas comuns alguma liberdade (ou direito), ou elas terão de lutar por ela, ou estarão cansadas demais para resistir? A última parece ser a ideia de alguns do Povo Grande que, na maioria das vezes, viram esta guerra de dentro de grandes automóveis.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 77)

Receio ter cometido um grande erro ao fazer minha continuação complicada e longa demais e demasiado lenta na publicação. É uma maldição ter o temperamento épico em uma época superlotada dedicada a pedacinhos ligeiros!
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 77)

Pelo menos não acho provável que você decaia permanentemente para o pior; e devo dizer que você precisa engrossar um pouco a camada exterior, mesmo que apenas como uma proteção para o interior mais sensível; e se você conseguir isso, será de permanente valia em qualquer situação mais tarde na vida neste duro mundo (que não mostra sinais de suavização).
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 78)

Urukhai é apenas uma figura de linguagem. Não há Uruks genuínos, isto é, pessoas tornadas más pela intenção de seu criador; e não há muitas que estão tão corrompidas a ponto de serem irredimíveis (embora eu tema que se deva admitir que há criaturas humanas que parecem irredimíveis, exceto por um milagre especial [...].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 78)

[...] o homem não pode viver de pedra e de areia mas, de qualquer maneira, não posso viver apenas de pão; e se não houvesse a rocha nua, a areia não trilhada e o mar não explorado, passaria a odiar todas as coisas verdes como uma protuberância fungiforme.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 78)

Pensamentos sombrios acerca de coisas sobre as quais não é possível realmente se saber algo; o futuro é impenetrável, especialmente para os sábios; pois o que é realmente importante está sempre oculto dos contemporâneos, e as sementes do que virá a ser estão germinando silenciosamente na escuridão de algum canto esquecido enquanto todos estão olhando para Stalin ou Hitler [...].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 79)

Não voltei para casa até meia-noite, e caminhei com C.W. parte do caminho, quando nossa conversa se voltou para as dificuldades de se descobrir que fatores comuns, caso houvesse algum, existiam nas noções associadas com a liberdade, tal como usadas atualmente. Não creio que haja algum, pois a palavra tem sido usada de forma tão abusiva pela propaganda que ela deixou de ter qualquer valor para a razão e se tornou uma mera dose emocional para gerar calor. No máximo, ela parece implicar que aqueles que o oprimem devem falar (nativamente) o mesmo idioma — o que, em último caso, é a tudo que as ideias confusas de raça ou nação se resumem; ou de classe na Inglaterra, por falar nisso.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 81)

Mas é angustiante ver a imprensa se rebaixando a um nível tão baixo quanto o de Goebbels no seu auge, gritando que qualquer comandante alemão que se mantém firme em uma situação desesperadora (quando as necessidades militares de seu lado também beneficiam) é um beberrão e um fanático apatetado. Não consigo ver muita distinção entre nosso tom popular e os “idiotas militares” celebrados. Sabíamos que Hitler era um cafajestezinho vulgar e ignorante, além de quaisquer outros defeitos (ou das origens deles); mas parece haver muitos cafajestezinhos v. e i. que não falam alemão e que, dada a mesma oportunidade, apresentariam a maioria das outras características hitlerianas. Houve um artigo no jornal local defendendo seriamente o extermínio sistemático de toda a nação alemã como o único curso apropriado após a vitória militar: porque, com sua licença, eles são cascavéis e não sabem a diferença entre o bem e o mal! (O que dizer do autor?) Os alemães têm tanto direito de declarar os poloneses e judeus vermes subumanos e extermináveis quanto nós temos de selecionar os alemães: em outras palavras, nenhum direito, o que quer que tenham feito. É claro, ainda há uma diferença aqui. O artigo foi respondido e a resposta impressa.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 81)

Ainda assim, você não é o único que deseja soltar vapor ou rebentar às vezes; e eu poderia soltar vapor se abrisse a válvula, comparada com a qual (como a Rainha disse à Alice) isso seria apenas um borrifo de perfume. Não dá para evitar. Você não pode enfrentar o Inimigo com o Anel dele sem se tornar um Inimigo; mas, infelizmente, a sabedoria de Gandalf parece ter passado com ele há muito tempo para o Verdadeiro Oeste [Valinor].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 81)

Mas estou com a sede de viagens outonal, e de bom grado eu partiria com uma mochila nas minhas costas e sem um destino específico, a não ser por uma série de estalagens sossegadas. Um dos prazeres há muito adiados que devemos prometer a nós mesmos, quando agradar a Deus nos libertar e nos reunir, é simplesmente tal perambulação, juntos, de preferência no interior montanhoso, não muito longe do mar, onde as cicatrizes de guerra, matas derrubadas e campos aplainados não são tão fáceis de se ver.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 81)

Encostado na parede quando saíamos da igreja havia um velho mendigo esfarrapado, algo parecido com sandálias amarradas a seus pés com barbante, uma velha lata em um pulso e na sua outra mão um cajado grosseiro. [...] Dessa vez muito surpreendi o Pe. C. ao lhe dizer que eu achava que o velho se parecia muito mais com S. José do que a estátua na igreja — de qualquer maneira, S. José a caminho do Egito. Ele parece ser (e que pensamento feliz nestes dias miseráveis em que a pobreza parece trazer apenas pecado e sofrimento) um mendigo santo!
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 89)

Mas temo que uma Força Aérea é uma coisa fundamentalmente irracional per se. Eu poderia desejar encarecidamente que você nada tivesse a ver com algo tão monstruoso. [...] Mas tais desejos são vãos, e é seu dever, compreendo claramente, fazer nesse serviço o melhor que está ao alcance de sua força e de sua aptidão. Em todo caso, talvez seja apenas um tipo de aversão, como um homem que gosta de bife e rim (ou gostava), mas não quer estar ligado ao negócio de abate. Enquanto a guerra for lutada com tais armas, e se aceite quaisquer benefícios que possam advir (tais como a preservação da própria pele e até mesmo a “vitória”), é simplesmente se esquivar do problema considerar as aeronaves de guerra um horror especial. Faço isso mesmo assim.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 92)

Mas se a lit. nos ensina algo, é isto: que temos em nós um elemento eterno, livre de preocupação e medo, que pode analisar as coisas que na “vida” chamamos de más com serenidade (isto é, não sem apreciar sua qualidade, mas também sem qualquer perturbação do nosso equilíbrio espiritual). Não do mesmo modo, mas de algum modo similar, todos nós sem dúvida havemos de analisar nossa própria história quando a conhecermos [...].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 94)

Assim como (para comparar com uma coisa pequena) o urbano convertido tira mais proveito do interior do que o simples caipira, mas não pode se tornar um verdadeiro homem da terra, ele ao mesmo tempo é mais e de um certo modo menos (verdadeiramente menos térreo, de qualquer forma).
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 96)

Uma história deve ser contada ou não haverá história e, ainda assim, são as histórias não contadas que são mais comoventes. Acho que você ficou comovido com Celebrimbor porque ele transmite uma sensação de infinitas histórias não contadas: montanhas vistas ao longe, que jamais serão escaladas, árvores distantes (como a de Cisco) das quais jamais se aproximará — ou, caso seja possível, apenas para se tornarem “árvores próximas” (a não ser no Paraíso ou na Paróquia de C).
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 96)

A destruição e miséria aterradoras desta guerra aumentam de hora em hora: destruição do que deveria ser (e de fato é) a riqueza comum da Europa e do mundo se a humanidade não fosse tão estúpida, riqueza cuja perda afetará a todos nós, vencedores ou não. Todavia, as pessoas tripudiam ao ouvir a respeito das filas intermináveis, de 40 milhas de comprimento, de refugiados miseráveis, mulheres e crianças afluindo para o Ocidente, morrendo no caminho. Parece que não restam vestígios de piedade ou compaixão, nem imaginação, nesta sombria hora diabólica.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 96)

[...] a Guerra não terminou (e a que terminou, ou parte dela, foi grandemente perdida). Mas é claro que é errado nos deixarmos levar por tal estado de espírito, pois as Guerras são sempre perdidas, e A Guerra sempre continua; e não adianta nada esmorecer!
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 101)

É possível fazer do Anel uma alegoria de nossa própria época caso se queira: uma alegoria do destino inevitável que espera por todas as tentativas de derrotar o poder maligno com poder.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 109)

É um dos mistérios da dor que ela seja, para o sofredor, uma oportunidade para o bem, um caminho de ascensão, por mais árduo que seja.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 113)

Desagrada-me a Alegoria — consciente e intencional; todavia, qualquer tentativa de explicar o propósito dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica. (E, é claro, quanto mais “vida” uma história tiver, mais facilmente ela será suscetível a interpretações alegóricas, enquanto que quanto melhor uma alegoria deliberada for feita, mais prontamente ela será aceitável apenas como uma história.)
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 131)

Aqui [em Beren e Lúthien] encontramos, entre outras coisas, o primeiro exemplo do motivo (que se tornará dominante nos Hobbits) de que as grandes políticas da história mundial, “as rodas do mundo”, são frequentemente giradas não pelos Senhores e Governantes, ou mesmo pelos deuses, mas pelos aparentemente desconhecidos e fracos [...].
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 131)

Mas se você tiver, por assim dizer, feito um “voto de pobreza”, renunciado ao controle e contentar-se com as coisas em si mesmas sem referência a si próprio, vigiando, observando e de certa forma conhecendo, então a questão dos bens e males do poder e do controle pode se tornar totalmente sem sentido para você, e os meios do poder, sem valor algum. É uma visão pacifista natural, que sempre vem à mente quando há uma guerra.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 144)

Mas é claro que humildade e consciência do perigo são necessárias. Um escritor pode ser basicamente “benevolente” no seu entendimento (como espero que eu seja) e ainda assim não ser “benéfico” devido ao erro e à estupidez. Eu afirmaria, se não achasse isso presunçoso em alguém tão mal instruído, ter como um objetivo a elucidação da verdade, e o encorajamento da boa moral neste mundo real, através do antigo artifício de exemplificá-las em personificações pouco conhecidas, que podem tender a “esclarecê-las”. Mas posso estar errado, é claro (em alguns ou em todos os pontos): minhas verdades podem não ser verdadeiras ou podem estar distorcidas: e o espelho que criei pode estar embaçado e quebrado. Porém, preciso estar completamente convencido de que qualquer coisa que “simulei” é realmente danosa, per se e não meramente porque é mal compreendida, antes de me retratar ou reescrever algo.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 153)

Sou (obviamente) muito apaixonado pelas plantas e, acima de tudo, pelas árvores, e sempre fui; e considero os maus-tratos humanos para com elas tão difíceis de se tolerar quanto alguns consideram o maltrato de animais.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 165)

[...] mas fico [...] deveras pesaroso com o fracasso de Gollum em (quase) arrepender-se quando interrompido por Sam: isso realmente me parece com o mundo real, no qual os instrumentos de justa retribuição são eles próprios raramente justos ou sagrados; e os bons frequentemente são empecilhos.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 165)

Não é verdade sobre o passado ou o presente dizer que “apenas os ricos e aqueles de férias conseguem viajar”. A maioria dos homens faz algumas viagens. Se elas são longas ou curtas, com uma missão ou simplesmente para ir “lá e de volta outra vez”, não é de primordial importância. Conforme tentei expressar na Canção de Caminhada de Bilbo, até mesmo uma caminhada ao anoitecer pode ter efeitos importantes. Quando Sam não fora além da Ponta do Bosque, ele já havia tido uma “experiência impressionante”. Pois se há algo em uma viagem de qualquer duração, para mim é isto: uma libertação do estado vegetativo de sofredor passivo e indefeso, um exercício de vontade e de mobilidade por menor que seja — e de curiosidade, sem o qual uma mente racional torna-se estultificada.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 183)

Na minha história, não lido com o Mal Absoluto. Não creio que haja tal coisa, uma vez que ela é Nula. Não creio, de qualquer modo, que qualquer “ser racional” seja completamente mau. Satã caiu. Em meu mito, Morgoth caiu antes da Criação do mundo físico. Na minha história, Sauron representa a maior aproximação possível daquilo que é completamente mau. Ele seguiu o caminho de todos os tiranos: começando bem, pelo menos no nível que, apesar de desejar ordenar todas as coisas de acordo com sua própria sabedoria, ele no início ainda levava em consideração o bem-estar (econômico) de outros habitantes da Terra.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 183)

Ainda assim, percebi de súbito que sou um filólogo puro. Gosto de história e fico comovido com ela, mas seus melhores momentos para mim são aqueles em que ela lança luz sobre palavras e nomes! [...] estranhamente, acho que a coisa que realmente mexe comigo é a que você mencionou casualmente: atta, attila.1 Sem essas sílabas, todo o grande drama tanto de história como de lenda perde o sabor para mim — ou perderia. 1Christopher Tolkien disse em sua palestra: “Para as hostes de Átila convergiram homens de muitos povos germânicos. .... De fato, seu próprio nome parece ser gótico, um diminutivo de atta, a palavra gótica para ‘pai’.”
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 205)

Sou de fato um Hobbit (em tudo, exceto no tamanho). Gosto de jardins, de árvores e de terras aráveis não mecanizadas; fumo um cachimbo e gosto de uma boa comida simples (não refrigerada), mas detesto a culinária francesa; gosto de, e ainda ouso vestir nestes dias sem brilho, coletes ornamentais. Gosto muito de cogumelos (tirados de um campo); possuo um senso de humor muito simples (que até mesmo meus críticos apreciativos acham cansativo); durmo tarde e acordo tarde (quando possível). Não viajo muito.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 213)

Escrevo coisas que podem ser classificadas como estórias de fadas não porque desejo me dirigir a crianças (que, enquanto crianças, não acredito estarem especialmente interessadas nesse tipo de ficção), mas porque desejo escrever esse tipo de história e nenhum outro. Faço isso porque, caso eu não esteja aplicando um título por demais grandiloquente a ele, acredito que meu comentário sobre o mundo seja mais fácil e naturalmente expressado nessa forma.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 215)

A vida está muito acima da medida de todos nós (exceto, talvez, por alguns poucos). Nós todos precisamos de uma literatura que esteja acima de nossa medida — embora talvez não tenhamos energia suficiente para ela o tempo todo. [...] Um bom vocabulário não é adquirido com a leitura de livros escritos de acordo com alguma noção acerca do vocabulário de determinada faixa etária. Ele vem da leitura de livros acima dessa faixa etária.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 215)

Quanto a plenilune e argent, são palavras belas antes que sejam compreendidas — gostaria de poder ter o prazer de encontrá-las novamente pela primeira vez! — e como alguém pode conhecê-las até encontrá-las? E certamente o primeiro encontro deve ocorrer em um contexto vivo, e não em um dicionário, como flores secas em um hortus siccus! Crianças não são uma classe ou uma espécie, são um grupo heterogêneo de pessoas imaturas, que variam, como acontece com todas as pessoas, em seu alcance e em sua habilidade de estendê-lo quando estimuladas. Tão logo se limite o vocabulário ao que se supõe estar ao alcance delas, isso na verdade simplesmente nega às talentosas a chance de estendê-lo.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 234)

A nós mesmos devemos apresentar o ideal absoluto sem comprometimento, pois não conhecemos nossos próprios limites de força natural (+ graça) e, se não almejarmos o mais elevado, certamente não atingiremos o máximo que poderíamos alcançar.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 246)

Somos criaturas finitas com limitações absolutas sobre os poderes de nossa estrutura de corpo e alma tanto em ação como em resistência. O fracasso moral só pode ser asseverado, creio, quando o esforço ou resistência de um homem não atinge seus limites, e a culpa diminui conforme se chega mais próximo desse limite.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 246)

Visto que estamos lidando com Homens, é inevitável que devemos nos preocupar com a característica mais lamentável de sua natureza: sua rápida saciedade com o bem.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 256)

Era magnânimo, de guarda contra todos os preconceitos, embora alguns estivessem enraizados demais em sua experiência nativa para serem observados por ele.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 261)

[...] gostaria que pudesse ser proibido que, após a morte de um grande homem, homenzinhos escrevessem sobre ele, homenzinhos esses que não possuem e devem saber que não possuem conhecimento suficiente de sua vida e caráter para lhes dar qualquer chave para a verdade.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 261)

[O texto abaixo é de trechos do comentário de Tolkien, enviado a Charlotte e Denis Plimmer, sobre o rascunho da entrevista destes com ele. As passagens em itálico são citações do rascunho deles.]

A Terra-média .... corresponde espiritualmente à Europa Nórdica.

Nórdica não, por favor! Uma palavra pela qual pessoalmente tenho aversão; está associada, apesar de ser de origem francesa, com teorias racistas. Geograficamente, setentrional em geral é melhor. Mas uma análise mostrará que mesmo essa palavra é inaplicável (geográfica ou espiritualmente) à “Terra-média”.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 294)

Auden declarou que para mim “o Norte é uma direção sagrada”. Isso não é verdade. O noroeste da Europa, onde tenho vivido (e a maioria de meus ancestrais viveu), tem minha afeição, como deve ter o lar de um homem. Amo sua atmosfera e sei mais de suas histórias e idiomas do que sei de outras partes; mas não é “sagrado”, nem exaure minhas afeições. Por exemplo, tenho um amor em particular pela língua latina e, entre seus descendentes, pelo espanhol.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 294)

A busca “protestante” em direção ao passado pela “simplicidade” e retidão — a qual, é claro, apesar de conter alguns motivos bons ou pelo menos inteligíveis, é equivocada e de fato vã. Porque o “cristianismo primitivo” é agora e, apesar de toda “pesquisa”, sempre permanecerá amplamente desconhecido; pois “primitivismo” não é garantia de valor e é, e foi, em grande parte um reflexo da ignorância. Graves abusos eram um elemento do comportamento “litúrgico” cristão desde o início tanto quanto o são agora. (As críticas severas de S. Paulo sobre o comportamento eucarístico são suficientes para mostrar isso!) Ainda mais porque a “minha igreja” não foi pretendida por Nosso Senhor para ser estática ou permanecer em perpétua infância, mas para ser um organismo vivo (semelhante a uma planta), que se desenvolve e muda o exterior pela interação de sua vida e história divinas legadas — as circunstâncias especiais do mundo no qual se encontra.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 306)

Mas para mim permaneci John. Ronald era para meus parentes próximos. Meus amigos no colégio, em Oxford e mais tarde chamavam-me de John (ou ocasionalmente John Ronald ou J. R. ao quadrado).
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 309)

Aqueles que acreditam em um Deus, em um Criador pessoal, não acham que o Universo em si é digno de adoração, embora o estudo devotado dele possa ser um dos modos de honrá-Lo. E enquanto estivermos, como criaturas vivas que somos (em parte), dentro dele e formos parte dele, nossas ideias de Deus e as maneiras de expressá-las serão em grande parte derivadas da contemplação do mundo ao nosso redor.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 310)

Só posso responder: “De sua própria sanidade, homem algum pode seguramente fazer julgamentos. Se a santidade reside em sua obra, ou como uma luz penetrante ilumina-a, então ela não vem dele, mas através dele. E nenhum de vocês a perceberia dessa forma a não ser que ela também estivesse com vocês. Do contrário, nada veriam ou sentiriam, ou (caso algum outro espírito estivesse presente) se encheriam de desdém, náusea, ódio.”
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 328)

É claro que O S.A. não me pertence. Ele foi criado e agora deve seguir seu caminho designado no mundo, apesar de, naturalmente, eu me interessar muito sobre seu destino, como faria um pai com relação a um filho. Fico aliviado por saber que ele tem bons amigos para defendê-lo da malícia de seus inimigos. (Mas nem todos os tolos estão no outro campo.)
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 328)

[...] creio ser injusto usar meu nome como um adjetivo qualificador de “melancolia”, especialmente em um contexto que trata das árvores. Em todas as minhas obras, tomo o lado das árvores contra todos seus inimigos. Lothlórien é bela porque lá as árvores eram amadas; nos outros lugares as florestas são representadas como que despertando para a consciência de si mesmas.
As Cartas de J.R.R. Tolkien (Carta n.º 339)

J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis: O Dom da Amizade (2003)

“Tenho o ódio ao apartheid em meus ossos; e mais do que tudo, detesto a segregação ou separação entre língua e literatura. Não me importo qual delas você pense que seja branca.”
J.R.R. Tolkien & C.S. Lewis: O Dom da Amizade (10. Surpreendido por Cambridge e desapontado pela alegria (1954-1963))